25 mil mulheres por ano são violadas na Índia, uma a
cada 20 minutos. Há oito meses uma violação coletiva num autocarro, em
plena luz do dia, matou uma estudante. O caso incendiou a opinião
pública indiana e deu visibilidade mundial a este crime horrendo, apesar
disso o número de violações sexuais não pára de aumentar.
Artigo
publicado no portal Opera Mundi - 2 Setembro, 2013
Sonali Mukerjee era estudante em Dhanbad, uma pequena cidade do
nordeste. No dia 22 de abril de 2003, três jovens assediaram-na
sexualmente ao sair do colégio. A jovem defendeu-se e chegou a casa
ilesa. Durante a noite, os atacantes invadiram-lhe a casa e lançaram-lhe
ácido no rosto e em boa parte do corpo, enquanto dormia. A
sua pele ardeu, os seus olhos e orelha desapareceram quase por completo.
Tinha 18 anos e hoje ainda necessita de cirurgias para continuar viva.
Os seus agressores passaram dois anos na cadeia.
Tal como Sonali, a famosa heroína de Déli que morreu em dezembro
passado, defendeu-se dos seus agressores. O nível de violência exercido
pelos seus cinco violadores, num autocarro em movimento, escandalizou a
sociedade hindu, que protestou e exigiu o fim das agressões. Não participaram apenas
os militantes e as feministas, também a classe média profissional e
os estudantes marcharam na capital, em Mumbai e em uma dúzia de
cidades.
O dia a dia da jovem estudante de fisioterapia de 22 anos, em coma
num hospital, era transmitido ao vivo por emissoras de televisão e rádio
de todo o mundo. Logo após a sua morte, com os cinco acusados
detidos (um deles menor de idade), o seu pai e vários políticos pediram
pena de morte para os arguidos.
Desde então, há nos meios de comunicação um debate sobre a agressão
contra as mulheres, com as violações em primeiro plano. Paradoxalmente,
algumas semanas depois, pelo menos oito adolescentes indianas foram
violadas num internato para mulheres no estado de Orissa — caso que
mereceu apenas alguns parágrafos em um dos diários nacionais em fevereiro.
Como explicar a frequência das violações (cuja incidência
aumentou até 70% no sul da Índia nos últimos dois anos) e a extrema violência das agressões masculinas.
Sonali, que percorre o país defendendo vítimas como ela, acredita que
em parte isso acontece porque as mulheres ainda acreditam estar
indefesas, e luta para que se fortaleçam e aprendam defesa pessoal. “Se
uma mulher ou uma jovem acredita ser frágil, talvez não consiga proteger-se ”, explica.
Boski Jain, jovem profissional do centro do país, e Abenla Ozükum,
trabalhadora social indiana do nordeste, coincidem numa coisa:
as formas
de domínio masculino são antigas, os homens, na Índia, “têm visto as
mulheres desde sempre como mercadorias, se considerando superiores e
depreciando-as”, explica Ozükum.
Estigma de ser mulher
Aqui, as demonstrações físicas de afecto em público são escassas. Os
jovens raramente dão as mãos e não se beijam nos parques ou centros
comerciais. Os meios de transporte colectivo reservam, por lei, uma
porção de lugares para as mulheres e as penas por delitos sexuais
incluem a morte por enforcamento.
Por outro lado, os casos de agressões e abusos são comuns. Na rua e
em casa, nos autocarros e nas escolas. “Talvez devessem torná-los
impotentes pelo resto da vida, castigá-los com toda severidade”, afirma
Boski Jain, de 25 anos.
No entanto, a possibilidade de contar com a polícia é
insignificante. Há um ano, a revista Tehelka realizou uma reportagem
escondida em diversas esquadras. Mais de doze oficiais explicaram frente
a uma câmara que as mulheres quase sempre provocavam (ou desejavam) a
violação. Talvez por isso o nível de condenações por violação é apenas
26% dos casos denunciados.
Alguns costumes masculinos
Pode ser pior: muitas vezes, sobretudo em comunidades ou famílias
muito religiosas, independentemente de crenças, classe ou casta, as
mulheres violentadas são obrigadas a casar com os seus agressores, como
reparação pelo dano e para restituir sua honra, que de outra forma
perderiam para sempre (junto com o respeito dos demais).
Ou poderia procurar-se a causa em parte no assassinato das
recém-nascidas (na Índia, a lei proíbe que um ultrassom determine o sexo
do feto para prevenir o aborto ou posterior assassinato). Ou nos
casamentos arranjados que incluem crianças e adolescentes.
Talvez na falta de educação sexual nas escolas e lares, como aponta
Abenla Ozükum, porque sem ela “é impossível mudar a mentalidade do
povo”. Para Sonali Mukherjee, esse processo necessário levaria tempo “se
começamos agora, mas o cenário seria mais favorável em 10 ou 15 anos”.
Mas as violações e a impunidade masculina não são exclusividade da
Índia. Na África do Sul, por exemplo, uma jovem de 17 anos foi violada
num bar de Soweto em dezembro, enquanto o seu namorado de Déli lutava
pela vida. Ninguém no bar fez nada, nem mesmo chamou a polícia.
Poderíamos mencionar a China, onde morrem o dobro de bebés meninas que
neste país (cerca de 10 mil em 2010). Ou os Estados Unidos, onde uma
mulher é violada por minuto...
Dados oficiais do governo indicam que em Bengala Ocidental houve
pelo menos 30 mil denúncias de crimes contra mulheres em 2013, algo que a
governadora Banerjee nega, “como se eu tivesse culpa das violações”.
A estatística das violações é de quase 25 mil por ano em toda a
Índia (um a cada 20 minutos). Três de cada quatro violadores saem livres
“e a prisão não ajuda porque seguem sendo parte de uma comunidade”, diz
Sonali. “Deveriam ser condenados à prisão perpétua em completo
isolamento, sem nem contato com seus familiares.”
Há algumas semanas, Sonali fez 29 anos. E Rubi Gupta, de 28, morreu
no dia 21 de julho em um hospital na cidade de Bhopal, queimada com
ácido pelo seu ex-namorado. Uma semana mais tarde, cinco jovens
sequestraram uma criança de 12 anos na sua comunidade, violaram-na e
abandonaram-na no caminho; não há ainda detidos. A lista de crimes e
abusos parece interminável, as causas e as explicações também.
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