Dificuldades económicas, desemprego e outros problemas de vidas difíceis levam mulheres portuguesas a cair nas redes ilegais de falsos casamentos para que os imigrantes possam obter residência e trabalho no espaço europeu. Os imigrantes pagam porque precisam de papéis. Redes ganham a maior fatia do dinheiro e alargam raio de ação aos países nórdicos e do Leste.
Investigação levada a cabo pelo DN:
Casaram… e viveram longe um do outro para todo o sempre
O ‘sim.’ Portuguesas “vendem” o estado civil para legalizar estrangeiros. E até podem casar em vários países e continuar solteiras por cá. Mil, dois mil ou mesmo três mil euros parece pouco, mas são quatro meses de salário mínimo, o salário que não têm. Os noivos querem viver no espaço Schengen e chegam a pagar 25 mil euros. No negócio das redes, ganham os cabecilhas que dão “gorjetas” a angariadores, testemunhas, intérpretes e funcionários. Estendem, agora, os tentáculos à Europa de Leste comunitária. Os homens também casam para legalizar estrangeiras mas muitos acreditam que elas os amam.
CÉU NEVES (textos)
“Eles prometem mundos e fundos e caímos que nem umas patinhas se estamos mesmo a precisar. Estava na miséria autêntica”, justifica Cristina, de 44 anos. Tinha e tem dois filhos e o neto a cargo. “Eles”, os cabecilhas, acenaram-lhe com dois mil euros para se casar com um imigrante ilegal. Garantiram-lhe que ninguém da sua família precisava de saber, que não ia ter problemas com a polícia e que o futuro marido nunca a incomodaria. Hoje lamenta-se: “Quando uma pessoa está no desespero é capaz de fazer tudo!”
Desespero é não ter trabalho, ter dívidas que não se conseguem pagar, não ter dinheiro mas ter vícios. Cinco anos depois é a explicação que Cristina dá para estar envolvida numa rede de casamentos por conveniência ou casamentos brancos, como são nomeados. Acabou detida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e já muitos ficaram a saber da união de mentira com um homem cujo nome nunca conseguiu pronunciar.
Duas das filhas também casaram através da mesma organização. “Esta e a mais velha [24 anos], que não sei onde anda” “Esta”, é Rosana, de 23. Sentadas num banco de um jardim dos subúrbios de Lisboa, mãe e filha contam como se deixaram levar por algumas centenas de euros. Percebe-se nas entrelinhas que continuam a ser contactadas por elementos que organizam estes casamentos e que continuam a precisar de dinheiro… A mãe tem um trabalho temporário, a filha está desempregada. As duas vivem no concelho da Amadora e foram casar a Vila Nova de Gaia. “É assim”, explica Rossana, “os das redes perguntam se queremos casar e nós perguntamos ‘quanto’? Depois dizem-nos quem são os maridos. Prometeram-nos dois mil euros por casamento, mas nunca deram isso.”
“Os das redes”, em regra, recrutam as mulheres nos bairros periféricos e pobres das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, basta que tenham um cartão de identidade europeu. Portuguesas de baixa condição socíoeconómica e em situações de extrema vulnerabilidade, solteiras, viúvas ou divorciadas. Os elementos da organização, normalmente membros das comunidades imigrantes legalizados no País, encarregam-se de fazer a documentação e acompanhar as mulheres aos organismos públicos se for necessária a presença delas para obter os documentos.
As noivas têm de se deslocar aos serviços para colocar a apostila nos assentos de casamento, um certificado de autenticidade dos documentos públicos para apresentação no estrangeiro. Têm de fazer o passaporte, que é a identificação que usam no estrangeiro por não referir o estado civil, para atestar uniões de facto, regularizar o marido, comprar ou arrendar casa, etc. Têm de se deslocar ao país onde o noivo vai pedir o título de residência.
As mulheres viajam com total desconhecimento de com quem vão e para que sítio se deslocam. E, salvo os procedimentos obrigatórios para o casamento e a regularização do imigrante, continuar na sua rotina diária fora destes encontros. Nem sequer atualizam o estado civil nos documentos oficiais porque este é um segredo bem guardado. Os maridos não ficam em Portugal.
Elas acreditam que se podem divorciar passados três anos ou quatro, pensam que isso acontecerá logo que o imigrante se legalize através do casamento com uma cidadã comunitária E têm de estar disponíveis para as deslocações, já que as quantias prometidas lhes são pagas em parcelas. Muitas queixam-se de não obter o acordado, que lhes pagaram apenas mil ou 1500 euros, mas há quem receba três mil euros.
“Vítimas? Olhe, acabamos por ser nós. Aproveitam-se um bocado da nossa falta de dinheiro e da aflição das mulheres por não terem trabalho”, assegura Carla Marisa, uma das noivas envolvidas no processo de Gondomar. Esta rede (PJ) e o caso Binder (SEF) foram os primeiros megaprocessos de casamentos por conveniência no País.
As portuguesas
“Oriundas de bairros carenciados, prostitutas ou toxicodependentes, em alguns casos com vários filhos a cargo e até a viver com outro homem”, assim se descrevem no processo Binder-Bind as portuguesas que aceitam casar. A rede realizou, entre 2007 e 2010, 175 casamentos (os provados) entre portuguesas e indostânicos (sobretudo paquistaneses e indianos) . São as Lilianas, as Carias, as Vânias, as Marlenes, as Isas, asTatianas, as Cristinas, as Paulas, as Sandias, as Patrícias, as Raquéis, as Mónicas, as Martas, as Saras, as Márcias e as Filipas, as Anãs e as Marias, nomes compostos e muitos deles conjugados entre si.
“Tudo nomes pobres, não é?” observa Carla Cristina, outras das noivas de Gondomar enquanto espera para ser ouvida pelos juizes. Não são só os nomes, também as histórias de vida são muito semelhantes.
“Não tinha a noção do que estava a fazer, acho que ninguém tem. Fui várias vezes a Espanha (três a Barcelona) e só depois me apercebi da gravidade da situação, a verdade é que o dinheiro que me deram ajudou imenso”, conta Carla Marisa. Não teve medo de viajar com desconhecidos? “Pensei nisso e avisei uma amiga, mais ninguém soube. Telefonava-lhe todos os dias quando estava fora. Tinha 38 anos na altura, hoje tem 42, três filhos e continua sem emprego.
Deslocou-se a Espanha com outras noivas, onde abriu contas bancárias e entrou em repartições públicas espanholas que não consegue identificar. Da cerimónia lembra-se de ser uma confusão, o marido nunca mais o viu. “Estavam 18a 19pessoas na conservatória e o meu casamento não estava marcado. Depois ele [um membro da rede] entrou lá para dentro e voltou a dizer que estava tudo bem, que podíamos casar.”
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Os estrangeiros
As redes organizadas a operar em Portugal trabalham com imigrantes ilegais, quer residam na Europa ou ainda estejam nos países de origem, oriundos sobretudo do Paquistão, da índia e do Bangladesh, de Marrocos, um ou outro do Nepal. Há também nigerianos mas esses operam no estrangeiro. Depois há todo um leque de imigrantes que combinam uniões, como os brasileiros, mas a maioria não tem por detrás uma rede organizada São casamentos individuais, explica Luísa Maia Gonçalves, investigadora do SEF e ex-diretora da Direção Central de Investigação e Análise de Informação (DOPAI), sendo mais difícil detetar as fraudes. Quando se descobre cada uma destas uniões resulta num inquérito e o SEF já ultrapassou os 300 no final de2012. A GNR, através do Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento Territorial de Vila Real, desmantelou em janeiro de 2012 uma rede de casamentos fictícios. Catorze meses de buscas culminaram na constituição de dois arguidos: um português e uma espanhola Angariavam homens para casarem em Portugal e em Espanha com estrangeiras, maioritariamente brasileiras. As “vítimas” acabam por ser os portugueses que se convencem ter encontrado o grande amor, quando, afinal, servem apenas o objetivo de quem se quer legalizar”, refere Carlos Patrício, coordenador do Gabinete de Estudos e Planeamento e Formação do SEF. Mais recentemente, também o casamento gay é expediente para a legalização. Voltar às histórias de Cristina e da filha Rossana é falar das vidas de centenas de mulheres recrutadas pelas redes de imigração ilegal. É comum a mãe levar a filha, a irmã levar a irmã e a prima, a amiga levar a amiga ou uma simples conhecida. O contacto faz-se através do passa-palavra, numa ou outra situação por anúncios duvidosos. Há quem tenha procurado emprego e receba uma proposta de casamento.
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É difícil perceber como é que os funcionários das conservatórias e dos registos civis não desconfiam. Os sinais de que são casamentos arranjados testemunham-se nos tribunais. Transformam-se em certezas para meter na prisão sobretudo os cabecilhas das redes, já que parte dos restantes elementos têm sido absolvidos ou apanham pena de prisão suspensa. Sinais que passaram despercebidos à conservadora de Gondomar que realizou 249 casamentos entre portuguesas e indostânicos de 25 de novembro de 2007 até 9 de janeiro de2009, dia em que foi detida. O tribunal de primeira instância obteve a prova de que 122 casamentos era falsos mas acabou por a absolver.
Casamentos diferentes com as mesmas testemunhas e intérpretes, marcados no dia e realizados sucessivamente, na maioria das vezes fora do horário de expediente ou ao sábado. Casais e testemunhas vestem roupa prática. Os noivos conhecem-se nas conservatórias e nem sequer fingem contactos anteriores. Não têm uma língua comum. Não trocam alianças e quando as trocam são emprestadas ou em pechisbeque. Não selam o casamento com o beijo da praxe e cada um vai para seu lado.
Ir casando por toda a Europa e continuar solteira
Deslocalização. Redes avançam na Europa à medida que são detetadas e mantêm recrutamento no País. “Xeque ao Rei” foi uma operação europeia que deteve 26 pessoas, em Portugal, França e Reino Unido. E também há portugueses condenados lá fora.
Os casamentos realizados no País entre nacionais e estrangeiros têm diminuído nos últimos anos, sobretudo entre portuguesas e cidadãos da índia, do Paquistão e do Bangladesh. Não quer dizer que sigam a tendência dos tempos nem que as redes tenham fechado a atividade em Portugal, diz o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Estas organizações continuam a recrutar mulheres, desta vez para casar ou simular uniões de facto em países do espaço Schengen, agora na Europa do Leste. E elas continuam “solteiras”. A mancha geográfica onde atuam as redes de casamentos brancos abrange cada vez mais países europeus, progredindo no terreno à medida que vão sendo detetadas pelas polícias nacionais. Os cabecilhas destas associações criminosas têm tentáculos em zonas estratégicas. Muitos deles são estrangeiros integrados nesses países e com facilidade de circulação que recrutam sobretudo mulheres, mas também homens, embora em muito menor número. Existem, também, acordos matrimoniais entre casais, tendo em vista a legalização de um deles, mas não têm por detrás uma rede e são mais difíceis de provar. Casamentos heterossexuais e, com a nova lei, de homossexuais.
Ver mais em:
http://www.asjp.pt/2013/11/24/portuguesas-casam-por-mil-euros-para-legalizar-estrangeiros-na-ue/