Romance: Tentação da Serpente


Um olhar feminino sobre o Antigo Testamento.
Uma história de mulheres, para mulheres, de que os homens também gostam.

"Tentação da Serpente" é uma reedição de "O Romance da Bíblia", publicado em 2010.

13 novembro 2010

O que dizem os Leitores

"Quando tive oportunidade de conhecer e falar com a autora de Tentação da Serpente/O Romance da Bíblia, fiquei com imensa curiosidade em descobrir a sua obra. E ainda bem que decidi ler este livro!
Trata-se de uma narrativa na qual desfilam as personagens mais conhecidas (e outras nem tanto) do Antigo Testamento, sempre descritas com traços de ironia e humor negro.
As personalidades masculinas apresentam-se-nos fatalmente humanas e manipuláveis pelas femininas que, tendo em conta as circunstâncias que lhes são oferecidas, tentam guiar o curso da história.
Esta é uma história que não tem um carácter puramente ficcional, atingindo-nos a violência, a sexualidade e a maldade por vezes descritas, levando-nos a reflectir uma vez mais sobre o papel da mulher ao longo da História.
Gostei!"
Patrícia Pereira (Segredo dos Livros) 19/11/2010

"Acabei de ler Tentação da Serpente/O Romance da Bíblia, da Deana Barroqueiro e amei!
A dedicatória conquistou-me logo. Ia em busca de um livro para oferecer a uma amiga pelo aniversário e veio o seu - vezes dois! Porque ofereci um e trouxe outro exemplar para mim. Porque delas também reza a História."
ianita (Paraíso do Inferno) 5/08/2010
"O romance é uma reedição de outras duas obras da autora sobre lendas, parábolas e histórias do Antigo Testamento, com as suas personagens sacralizadas, mas escrutinadas do ponto de vista feminino e focando a condição da mulher. Foi esta a razão porque me interessei por ler este livro. Assim, descobri um romance sensual, erótico, poético e muito violento, sobre uma época em que a falta de ética e moral originava um tremendo sofrimento e luta constante pela sobrevivência e integridade. Não é possível o distanciamento, porque existe a clara noção de que não se trata de mera ficção, porque sabemos que esta obra é resultado de uma apurada pesquisa e investigação sobre o que existe documentado. As mulheres eram propriedades, adquiridas por contrato, um bem que se dá, se troca ou se vende, segundo o interesse da família. Não eram consultadas ou ouvidas sobre os seus sentimentos e as suas vontades e o seu destino era consoante outros o designassem. Ora uma maldição, ora uma bênção, conforme a sua beleza, sagacidade, ou sorte. Por tudo isto, penso que este livro é realmente de interesse colectivo. Absolutamente."
Helena (Segredo dos Livros)11/09/2010

"Um galeria de mulheres do Antigo Testamento pintadas com mestria pela autora e que nos dão um retrato diferente daquele que lemos na Bíblia. Uma Sara (mulher de Adão) libidinosa e sedutora, a mulher de Onan cheia de malícia e ardis... para só citar 2 de tantas que a Deana nos traz com outras cores. Gostei muito. Um livro que se lê muito bem, mas que denota um profundo conhecimento da Bíblia e uma exaustiva investigação em textos da época, com a citação de vários poemas encontrados em livros antiquíssimos e de que gostei muito. Recomendadíssimo!"
Maria Afonso (Segredo dos Livros)20/06/2010

"Diz Maria Teresa Horta no prefácio que a Bíblia nos apresenta um “Velho Testamento moralista, repleto de anciãos preguiçosos, libidinosos e lascivos, de brutamentes ignorantes e violadores, convocados por um Deus irado frente à própria incompetência e à própria imagem, segundo a qual teria criado o homem, de quem afinal não gosta e castiga.” É contra esta visão que a autora se insurge, trazendo para a ribalta um lote de mulheres que, ao longo da história do povo judeu, estiveram longe de ser as esposas fiéis, as concubinas dóceis e as escravas submissas."
Sebastião Barata (Segredo dos Livros) 07/06/2010

24 outubro 2010

A Cozinha Afrodisíaca e a Bíblia

No Oriente a cozinha afrodisíaca tem uma longa tradição, de cinco mil anos para ser mais exacta. No Antigo Testamento, cujas personagens masculinas parecem obcecadas pelo sexo e pela procriação, há inúmeras referências à esterilidade (das mulheres, nunca dos homens) e a receitas para a sua cura, desde a poligamia ao consumo do vinho de mandrágoras. Também a comida e os banquetes assumem papel de relevo na conquista da mulher ou do homem. Diz o velho ditado que "Pela boca morre o peixe" e a perdição pela comida começou com a maçã da Eva... ou de Adão (iria jurar que foi ele quem pecou, comendo a maçã e depois culpou a mulher, a fim de se safar do castigo divino).

Em muitos lugares onde se passam os episódios de "O Romance da Bíblia", a cozinha afrodisíaca ou erótica era levada muito a sério, sendo mencionados em muitos episódios produtos e pratos que tinham como fim, não apenas deliciar o palato, mas sobretudo avivar os apetites do corpo e tornar as paixões mais fogosas.

No Egipto ou no Líbano, por exemplo, as folhas e as sementes do feno-grego (que se crê terem sido aí introduzida pelos Fenícios) eram usadas como especiarias ou acompanhamento de certas iguarias afrodisíacas, como o Koubbé ou o Taboulé (criado em homenagem a Astarte, a deusa do amor e da fecundidade). Aqui vos deixo a receita, reconstituída por Pino Correnti no seu livro "Cinco Mil Anos de Cozinha Afrodisíaca":

Taboulé de Astarté

Para 4 pessoas

250 g de feno-grego; 250 g de sêmola fina de trigo; 1 kg de tomates não muito maduros; 250 g de cebolas brancas; 250 g de cebolas verdes; 1 dl de azeite; 1 limão; 1/2 ramo de salasa picada; 10 folhas de hortelã-pimenta; 1 cesto de parras comestíveis; sal e pimenta preta moída no momento.

Deite o feno-grego e a sêmola numa peneira fina e deixe correr sobre ambos um pouco de água, para molhar bem os dois ingredientes. Misture com as pontas dos dedos e deixe escorrer antes de os espalhar sobre uma bandeja, a qual deve estar 30 m ao calor, a fim de lhes suprimir o excesso de humidade.

Entretanto pique finamente as duas variedades de cebolas e corte os tomates em pedaços. Em seguida, numa saladeira grande, misture-os com o feno-grego e a sêmola e mexa tudo com o azeite, sumo do limão, a salsa e a hortelã picadas. Tempere de sal e pimenta e deixe repousar a preparação no frigorífico durante 15 a 20 m.

No momento de servir, divida por quatro pratos, cada um deles guarnecido por três parras (que poderá substituir por folhas de alface). Ponha o cesto das parras no centro da mesa e convide os convivas a comer com os dedos, enrolando pequenas porções de taboulé nas folhas.

Nota: Não se esqueça de que os bagos de romã eram considerados como poderoso afrodisíasco. Hades, o Senhor dos Infernos, ofereceu-os a Proserpina, depois de raptar e levar para o Reino das Sombras, para que, comendo os rubis de fruta, já não pudesse ou quisesse deixá-lo. Estamos no tempo no tempo das romãs...

28 agosto 2010

De "El Romance de la Biblia" para los amigos de España

Cap. VI - EL SACRIFICIO DE LOS CIRCUNCISOS

Jacob había pasado a llamarse Israel, tras su fuga de las tierras de Labán, cuando, durante toda una noche, se enfrentó con un ser misterioso, en las orillas del río Jordán. Al terminar la lucha, aunque se negó a desvelar su propio nombre, su adversario le dijo: “En adelante ya no te llamarás Jacob, sino Israel, pues has luchado contra un ser celeste y has permanecido fuerte,” y le bendijo. El hijo de Isaac dio gracias al Señor y llamó a aquel lugar Panuel, es decir, “la cara de Dios”, pues no le quedaba ninguna duda de que había visto un ser divino cara a cara y, a pesar de ello, había logrado conservar su vida, saliendo de aquella contienda victorioso, aunque cojeando de un muslo.
Estaba convencido también de que la bendición de aquel extraño ser lo protegiera, pues su encuentro con Esaú, pocas horas más tarde, había sido muy cordial, como si su hermano se hubiera olvidado de los antiguos agravios, perdonándole, sin que ya cupiera en su corazón el rencor ni el deseo de venganza.
Prefiriendo no arriesgar, todavía, Israel abandonó la región de Jarán siguiendo las dos enormes caravanas que transportaban sus bienes, recorriendo un largo camino hasta penetrar en la región de Sucot, junto al monte Garizim, en el país de Canán, donde decidió montar su campamento, a la entrada de la ciudad de Salem, en la margen izquierda del río Jordán. Allí compró a los hijos de Jamor, el jorreo que gobernaba el país, por cien monedas, una parcela de tierra sobre la que levantó sus tiendas, para establecerse en ella con sus mujeres, Lía y Raquel, y sus concubinas Bala y Zelfa, sus once hijos y todos los siervos y siervas que había ido adquiriendo, así como los hombres y mujeres libres que se habían unido a su familia.
Cuando ya estaban instalados, Jacob, ayudado por sus hijos mayores y por los hombres principales de su casa, levantó un altar a El Shaddai, el Dios de su padre y de su abuelo, que ungió con óleos, dándole el nombre de “El Elohe Israel”, el Dios de Israel. A este Dios sacrificó un becerro y dos corderos de los más gordos que había en su rebaño, para que el Altísimo les ofreciera su protección, haciendo que la población del lugar les aceptara favorablemente.


Algunos días más tarde, Dina, la hija que Lía había dado a Jacob, salió del campamento y se dirigió al río para trabar conocimiento con las mozas del pueblo. Por un extraño azar, o tal vez porque, en el momento de fecundar a Lía, Jacob tuviera, como solía tener, el pensamiento y el alma puestos en Raquel, la doncella había heredado el cuerpo de su madre, de formas voluptuosas y perfectas, pero, en vez de su fealdad, había sido bendecida con un rostro hermosísimo, que se parecía al de su tía como una gota de agua se parece a otra gota de agua. Incluso su larga y negra cabellera tenía esa misma suavidad y brillo que había hecho a Raquel tan celebrada en su juventud por todos los cantores en las fiestas del esquileo de los rebaños.
Siquem, el hijo primogénito de Jamor, estaba cazando con dos criados cuando la vio atravesar el bosque. Joven e impetuoso, acostumbrado a satisfacer todos sus caprichos, se inflamó de deseos de la muchacha y, haciendo señal a sus compañeros para que lo siguieran, se lanzó en persecución de la gentil presa, empleando los mismos cuidados con los que se acercaría a una gacela, antes de disparar sobre ella la mortífera flecha.
Cuando Dina se dio cuenta del peligro que corría, al ver a un hombre que la acechaba detrás de unos árboles, ya era demasiado tarde. ¡Estaba cercada! Con el corazón latiéndole desbocado, intentó retroceder, hacia la seguridad que le brindaba el campamento paterno, pero otro hombre le impedía el camino por ese lado; corrió entonces en dirección al río, donde poco antes había visto a algunas mujeres lavando ropa, y fue a caer en los brazos de Siquem, que se cerraron en torno suyo como el lazo de una trampa.
—¿Qué quieres de mí? ¡Deja que me vaya! —suplico Dina, con la voz temblorosa, pero sin gritar—. ¡Déjame volver a casa con mis padres!
—No te asustes, gentil pastora, que no te haré ningún mal —su cazador le hablaba al oído, dulcemente, jadeando un poco, como si también él estuviera cansado de la carrera—. ¡Qué hermosa eres! Dime, ¿cómo te llamas, belleza? ¿Qué puedo hacer para obtener tus favores?
A cada nueva pregunta que le hacía la estrechaba con más fuerza, como si quisiera fundirla en el calor de su cuerpo. Ya en el momento de caer en la trampa que él le había preparado, a pesar del miedo y la aflicción que sentía, Dina había advertido, nada más mirar a su agresor, la juventud y belleza masculina de éste. Ahora, pegada al cuerpo de él como un embutido de carne, sus sentidos se impregnaban de otras impresiones que la confundían y turbaban. Los músculos y los tendones de aquellos brazos, que se cruzaban por delante y le rodeaban la cintura como una argolla de acero, pero al mismo tiempo con una delicada ternura, se movían flexibles y poderosos bajo una piel cobriza tan suave como la de una mujer. De él emanaba un agradable olor a esencias preciosas y su voz, dulce y susurrante, mostraba que no era un campesino, sino un señor. Dina se debatió entre sus brazos, intentando soltarse, pero el atrevido cazador no aflojó el lazo y ella suplicó nuevamente:
—Pareces un hombre de bien. Yo me llamo Dina y soy hija de Jacob y Lía, de la tribu de Abraham. ¡Suéltame, por tu honor, y mis padres te estarán siempre agradecidos!
Siquem le mordisqueó la oreja, sumergiendo la nariz en la pesada cabellera que se había soltado durante la carrera y se echó a reír, divertido, exclamando en un tono de dulce persuasión:
—¡Siendo virgen y tan bella como eres, puedes tener todo cuanto desees! No debo consentir que malbarates tus encantos en el camastro maloliente de cualquier pastor. Tú eres digna de un señor de tierras, como yo, hermosa Dina.


Le besó la nuca y el cuello, cada vez más despacio, el deseo subiendo como una ola de fuego por el cuerpo. Sus compañeros, que se mantenían a una distancia prudencial, divertidos con la escena, se pusieron a recitar en coro un fragmento de un antiguo poema, a modo de respuesta de la joven a la provocación de su señor.

¡Excítate, excítate! ¡Abrásate, abrásate!
Encélate como un venado,
Caliéntate como un toro salvaje.
¡Haz el amor conmigo seis veces, como un corzo,
Siete veces, como un ciervo,
Doce veces, como un macho de perdiz!

Haz el amor conmigo porque soy joven.
Haz el amor conmigo porque soy ardiente.
¡Haz el amor conmigo como un corzo!

Yo, protegido por el dios Ningirsu,
Yo te aplacaré.


Él se rió al oírles y les hizo señal para que le acercaran el carro que lo había conducido allí, lejos de casa, en busca de terrenos de caza, y se absorbió de nuevo en la seducción de su presa, con el lóbulo de la oreja de ella preso en sus labios, recorrido lentamente por su lengua, como si lo saborease, murmurando:
—Mi nombre es Siquem. Soy hijo de Jamor, el gobernador de estas tierras. ¡Como ves, no podías haber caído en mejores manos! —Y repitió: ¿Qué puedo hacer para obtener tus favores, mi bella Dina?
La hija de Lía movía la cabeza a uno y otro lado, con el fin de escapar a los besos cada vez más ardientes del joven cazador, e intentaba en vano apartar con sus manos aquellas manos que le exploraban el cuerpo y le causaban un extraño sentimiento en el que el miedo, la vergüenza y el placer se mezclaban, calentándole la sangre y la piel como si tuviera fiebre.
—No abuses de mí, porque no sabré vivir si me deshonras —suplicó con la voz sofocada. —Y mis hermanos han de vengar la ofensa.
Pero Siquem ya no oía la voz suplicante de la joven, y mucho menos escuchaba la voz de su conciencia, ajeno a todo lo que no fuera el grito de los sentidos, convertido en un aullido latiendo desenfrenadamente en su sien, clamando más alto que cualquier otro sonido por la proximidad de aquel cuerpo femenino, cuyas formas delicadas y sinuosas sentía bajo sus dedos (a pesar del tejido basto de su vestido de pastora que, sin embargo, no lograba esconder su perfección), de la carne tibia y tersa que se retraía temblorosa al roce de sus manos inquietas, que la acariciaban a ciegas, cada vez más atrevidas y golosas en busca de los lugares secretos e intocados de aquel cuerpo de niña-mujer.
La hizo rodar hasta quedar frente a frente y la apretó contra sí, con una violencia que la hizo arquearse y soltar un gemido. ¡Qué bella era, la nómada! Siquem casi creía tener en brazos a una encarnación de Ishtar o incluso de Inanna, la más antigua de todas las diosas del amor, celebrada por los viejos aedos que concurrían a las fiestas de la siega. La cabeza de ella le llegaba a la altura del pecho y sus senos, pequeños y redondos como frutos tempranos, se enterraban en el vientre, mientras la cadera, nerviosa como la de una gacela, le apretaba el sexo, mareándole de deseo.


Dina le veía el rostro moreno, de cabellos de azabache, los ojos grandes, oscuros y profundos, que la miraban con una especie de adoración y anhelo como ella nunca había visto en otros ojos y se cerraban cuando la besaba y la acariciaba, como si quisiera aislarse de todo cuanto los rodeaba para sentir mejor el placer de sus caricias, el olor de su cuerpo, la piel erizada de miedo y de algo más, cualquier otra cosa de indefinible que en aquel momento la hizo soñar con la celebración de sus esponsales, en brazos del novio escogido por la familia, pero cuyo rostro y cuyo cuerpo se confundían con los de aquel apasionado conquistador.
Sin dejar de besarla, él la cogió en brazos y se dirigió al carro que los criados le habían traído para transportar en él la preciosa presa hasta la cabaña donde guardaba las armas y solía pernoctar durante sus interminables jornadas de caza, y donde a veces se regalaba con una corza apetitosa, recién acabada de abatir.
Siquem desfloró a Dina no con la violencia o el odio del violador, sino con la ternura de un esposo en su primera noche de bodas, cuidando no asustar, ni hacer daño a la novia muy amada, porque, por un extraño capricho de los dioses o de la suerte imprevisible, el alma del hijo primogénito de Jamor se había atado irremediablemente a la doncella nómada desde el momento en el que la había perseguido en el bosque. Acostado a su lado, en el pobre jergón de la cabaña, la abrigó con sus brazos, lleno de amor, y habló a su corazón:
—No llores, mi vida, porque juro por todos los dioses del templo de Salem que tú serás mi esposa si, por bondad, me perdonas lo que te he hecho y caigo en gracia a tus ojos.
Dina lloraba en silencio, menos por la pérdida de su virginidad que por el tumulto de sentimientos que Siquem le había provocado, acercándose a ella y conociéndola por la fuerza. Sus besos y las caricias de sus manos todavía perduraban en su piel, lo mismo que el fuego sentido en su vientre cuando el sexo del violador la penetró el cuerpo como una lámina al rojo, rasgándole la carne y la inocencia, provocando en ella dolor y placer, hiriendo y al mismo tiempo cicatrizando el cuerpo violentado.
Las palabras que le había susurrado al oído mientras le robaba la flor de su virginidad tenían la suavidad y la belleza de un cantar, dulcificando el dolor y la humillación como un bálsamo, y, al oírlas, ella había deseado en lo más secreto de su alma que él no se callara nunca y la enredase en la tela de palabras que hablaban de gozo y de pasión, cuyo sentido escapaba en ocasiones a su entendimiento de muchacha inculta, pero del que captaba su entonación y la vibración en el escalofrío de la piel o en el despertar de una multitud de sensaciones desconocidas. Y el jorreo quería reparar el mal que le había causado, casándose con ella. ¿Sería verdad que la amaba, entonces? Pero ella no era más que una simple pastora nómada, ignorante y rústica, mientras que él era un joven rico y extranjero, hijo primogénito de Jamor, el gobernador del pueblo jorreo. Como dándole una respuesta, Siquem se inclinó hacia ella, a fin de conocerla nuevamente como esposo, murmurándole tiernamente al oído:
—Te amo desde el primer momento en que te vi. Pagaré por ti la dote más rica de tu tribu! Hoy mismo hablaré con tu padre y él no me podrá negar su consentimiento.
Dina ya no opuso resistencia y su enamorado violador se dio cuenta, lleno de alegría, de que había ganado la partida. Ahora sólo le hacía falta convencer a los padres de ambos para que les dieran su bendición.

15 julho 2010

Terras, gentes e usos do Romance da Bíblia

Um romance histórico, como o próprio nome indica, deve oferecer ao leitor, além de uma narrativa dos factos, uma recriação da época e dos lugares tanto quanto possível verosímil. Assim, para fazer reviver as tribos de pastores nómadas da Mesopotâmia ou as cortes dos reis da Pérsia ou dos faraós do Egipto, não só tive de estudar muitas obras de História da Antiguidade pré-clássica, ler artigos de arqueologia, consltar mapas e ver inúmeras fotografias de objectos desse tempo, a fim de os poder descrever com rigor. Ora os meus leitores, que já têm aqui um "slideshow" de quadros célebres representando as heroínas deste romance, talvez gostem de ver alguns dos objectos e lugares que me serviram de base para a recriação dos ambiente de algumas destas histórias, como por exemplo Os Cuidados de Abraão, Cap. II, quando Abraão e Sara vão consultar os deuses no templo ou zigurate de Ur:
"O zigurate erguia-se no meio da cidade, sobre uma enorme plataforma, com uma elevação de cerca de quatro metros, formando um átrio ou praça, com vários templos secundários e outros edifícios. Atravessando o átrio, chegava-se a uma nova plataforma, ainda mais elevada, sustentando a torre sagrada, com mais de cem metros de altura e dividida em três andares.
Os dois primeiros, de forma quadrada, rasgavam-se em terraços abertos, plantados de árvores e flores que lhes davam o aspecto de jardins suspensos, de belíssimo efeito. Três lanços de escadas de oitenta degraus convergiam do rés-do-chão para a porta monumental do primeiro andar e continuavam até ao último onde se erguia o pequeno templo. Por elas desfilavam as procissões de sacerdotes e sacerdotisas, nos seus trajos coloridos de festa, carregados de ofertas que iam depositar no altar do deus tutelar.
Na Casa do Segredo, as ervas de cheiro ardiam nos incensários e, diante da família de Taré e de outros fiéis, os sacerdotes davam início às cerimónias do sacrifício do carneiro, entregue por Sarai no dia anterior, para lerem nas suas entranhas os augúrios do deus Marduk. O animal, de cornos untados com óleos sagrados, jazia amarrado sobre a ara, balindo de medo. Ao som das harpas, dos tamboris e das flautas dos músicos do zigurate, os três sacerdotes depuseram no altar as oblações trazidas por Sarai e fizeram as suas libações."


Abraão parte em busca da terra prometida pela Voz dos seus sonhos e, depois de muito peregrinar com a sua tribo, acolhe-se ao Egipto. Sarai (Sara) é muito cobiçada pelos homens, devido à beleza, e Abraão com medo que o matem apresenta-a como sua irmã e não como esposa. Sarai torna-se, então, na concubina favorita do faraó do Egipto e conhece os prazeres requintados da corte passeando no Nilo, na barca real, banhando-se nua ou jogando o senete e outro jogos de amor com o poderoso filho do deus Amon-Ra.

"A barca, de um só mastro e com a vela recolhida, tinha uma graciosa linha curva, própria para navegar no Nilo e estava decorada e pintada com flores de lótus (o símbolo das Ter-ras Altas do Egipto) e papiros (o emblema das Terras Baixas) e com as figuras de Horus, o deus-cabeça-de-falcão incarnado pelo Faraó, de Sobk, o crocodilo sagrado e da cobra Uto, o olho flamejante do Sol, anunciando a todos os súbditos que ali seguia Sebekhotep para um passeio no rio ou uma sortida de pesca e caça nas suas margens. Acompanhavam-na, a curta distância, numa formação em semicírculo, oito barcos com uma hoste de soldados bem armados e prontos a entrar em acção.No convés da barca, à popa e à proa, dois biombos de bambu entrançado abrigavam a tripulação de remadores que, de pé, manobravam cadenciadamente os quatro remos compridos apoiados nas altas forquilhas de uma barra fixa. No centro da embarcação erguia-se a espaçosa cabina rectangular com duas portas, encimada por um telhado em forma de degrau ou sótão, com quatro janelas de cada lado, luxuosamente mobilada para albergar o filho de Amon-Ra e a sua favorita.
– Bastet, perdeste de novo! – disse Sebekhotep, rindo-se da expressão amuada de Sarai e dando-lhe carinhosamente o nome da deusa-gata do amor, adorada pelos povos do deserto.
Reclinados num leito sumptuoso, tinham entre ambos um tabuleiro com o desenho de um corpo de serpente enrolado, cujos anéis indicavam prémios ou castigos, decididos pelo lançamento dos dados de marfim que os faziam recuar ou progredir no jogo. Ao lado do Faraó, uma peruca e um corpete de mulher mostravam as perdas de Sarai que procurava cobrir os seios nus com a longa cabeleira solta, enquanto a sua mão repousava sobre um pequeno monte de jóias, fruto dos castigos infligidos ao Bom Deus do Egipto.
– Escolhe tu o meu castigo, Divino Senhor.
– Uma dança de Ishtar!
No decurso de quatro meses, Sarai desabrochara na corte de Tebas como a flor de lótus no vale do Nilo, adquirindo a elegância e graciosidade de uma princesa real, sem todavia perder a sua natureza silvestre, de uma sensualidade bravia. Sebekhotep, requintado e culto, soubera limar as ásperas arestas, sem no entanto destruir o fogo do ka, da sua alma, o verda-deiro ser da nómada Sarai, tão diferente de todas as mulheres do harém e, por isso mesmo, tão cara ao coração do seu amante. E a favorita, iniciada por ele nos jogos voluptuosos de Bastet, incitava-o ao amor com ousadia, cantando e dançando as canções selvagens e lascivas de Ishtar, acirrando-lhe o desejo com palavras e gestos, como jamais se atrevera a formular por serem tabus da sua tribo. Por trás dos biombos que os resguardavam dos olhos das servas, soaram os primeiros acordes de uma estranha melodia e Sarai, no espaço íntimo da alcova, cantou a canção de amor de Ishtar, não com as modulações da sua voz, mas com os meneios do seu corpo, numa linguagem mais eloquente do que todas as palavras, porque vinha do íntimo da terra, ora ondulando como a água, ora sussurrando como o ar ou queimando como o fogo. Quando o corpo nu da favorita se prostrou numa dádiva, aos pés do Filho de Amon-Ra, o Soberano do Egipto tomou-a nos braços e esqueceu por completo as humilhações dos Hicsos e o surto de peste que ameaçava o seu reino.
Os remadores ergueram os remos ao alto, junto à pequena ilha de Séhail, cerca da primeira catarata, deixaram deslizar a barca até à orla de areia branca e lançaram uma prancha em terra, gritando em seguida para a água, a fim de afugentar algum crocodilo mais atrevido que se tivesse aventurado na baía:
– Ao largo! Vai-te, maldito crocodilo! Não te acerques de nós. Vai-te! Sabemos palavras mágicas para te destruir.
Depois fizeram libações a Toeri, a deusa da fecundidade com cabeça de hipopótamo:
– Fecunda é a tua vida, ó divina Toeri, Senhora do Nilo! Os braços das mulheres imploram o teu ka, acorda para a vida e torna-as férteis como as terras do delta depois de baixarem as águas. A tripulação recolheu-se por trás dos biombos, pois a sua presença não era permitida junto das mulheres do Faraó, nem os seus olhos podiam contemplar a sua nudez, com risco de lhos quebrarem como castigo. As servas prepararam tudo para o banho e despiram o Filho de Amon-Ra, em respeitosa adoração."


Fotos tiradas em parte de http://www.rainbowcrystal.com/egypt/

02 julho 2010

Con sapore italiano...

XII - LE DOLCEZZE DI BOOZ

(...) Rut riuscì a riempire quasi un efá (40 kg) d’orzo e fece ritorno alla città. Corse a mostrare il ricavato della giornata alla suocera e le dette da mangiare la parte del pranzo che le aveva riservato.
- Dove sei andata a spigolare, oggi? – le chiese Noemi, mentre mangiava. – Benedetto sia quest’uomo per averti accolto con tanta generosità!
Rut le raccontò dove e come aveva lavorato:
- Il padrone del campo si chiama Booz e sembra essere un uomo molto nobile e generoso. Si è offerto di aiutarci in tutto ciò di cui potremmo aver bisogno.
- Benedetto sia dal Signore, che non ha rinunciato alla sua bontà verso i vivi e verso i morti! – gridò Noemi. – Quest’uomo è anche nostro parente stretto, Rut. Egli possiede anche il diritto di riscatto su di noi.
- Vero? – la ragazza sorrideva felice. – È bello appartenere alla famiglia di un uomo così misericordioso! Mi ha detto inoltre di rimanere tra i suoi servi sino alla fine della mietitura.
Gli occhi dell’anziana vedova si bagnarono mentre diceva uno dei suoi proverbi preferiti:
- “Quello che è amico, lo è per tutto il tempo, ma diventa fratello in tempo di disgrazia!”. Questa è una grande benedizione, figlia mia, negli altri campi avresti potuto essere respinta, sia dai padroni che dai servi.
Avendo ricevuto l’approvazione della suocera, Rut continuò a lavorare con le serve di Booz nelle sue terre, finché non finì la mietitura.

La raccolta era finita e i servi si preparavano a setacciare l’orzo e il grano nelle aie di Booz. Rut venne invitata a lavorare con loro il giorno seguente.
Nelle notti precedenti un pensiero tormentava Noemi fino a toglierle il sonno, quindi all’alba, non appena la nuora si svegliò, le parlò di quanto aveva pensato:
- Figlia mia, devi trovare un marito per riuscire a vivere una vita serena e tranquilla e con molti figli.
- Ma, madre mia…
L’anziana donna la interrupe:
- Dice il proverbio: “Il cuore allegro cura il corpo, lo spirito triste secca le ossa” e il detto è veritiero! Ti devi sposare adesso che sei ancora giovane e bella, Rut mia. Ti spiego senza perder tempo: questo Booz è nostro parente, non si è mai sposato, è ricco e padrone di molte terre, potrebbe essere un ottimo marito, per qualunque donna.
La nuora rise dell’entusiasmo e dell’interesse di Noemi:
- “Una donna ficcanaso è una goccia costante” – l’imitò, scherzando con la citazione dei suoi proverbi tanto amati. – Booz deve avere molte donne interessate a sposarlo, è ancora un bell’uomo, anche se non più è giovane e per giunta possiede un cuore buono e generoso.
- Anche avendo altre pretendenti, figlia mia, nessuna di loro è soggetta al riscatto di Booz, come te. Lui è perfetto per te, di sicuro converrai con me che“vale di più un uomo paziente che un eroe”. E poi, è ancora meglio se ti piace!
- Non ho detto questo!– ribadì Rut, fingendosi scandalizzata.
L’anziana proseguì con il suo raziocinio:
- “ I capelli bianchi sono la corona di gloria che si trova sul cammino della giustizia” e io spero che lui ti faccia giustizia…
- A quale giustizia ti riferisci, madre mia? Non capisco. Oggi parli solo per proverbi, detti e misteri e…
L’interrupe di nuovo:
- Dimentica tutto questo e ascoltami: Booz deve occuparsi del suo orzo questo pomeriggio. Passa un po’ di tempo a casa e lavati con acqua profumata, ungiti il corpo con quest’olio che ti ho comprato, metti i tuoi migliori vestiti e curati il viso; comportati come se oggi fosse il giorno delle tue nozze.
Rut l’ascoltava piena di spavento:
- Perché devo fare questo, madre? Io sono una povera vedova, non ho doti e non mi vado a sposare.
Noemi la ammonì, spazientita:
- Non discutere e fa come ti ho detto, “la donna avvenente raggiungerà la gloria e l’uomo diligente la fortuna”, due cose che stanno molto bene insieme. Vai fino all’aia di Booz quando sarà l’ora di cena ma non lasciarti vedere finché non avrà finito di mangiare e bere. Aspetta che vada a coricarsi e seguilo di nascosto, per scoprire dove andrà a dormire. Non lasciare che nessuno ti veda quando andrai da lui e, senza svegliarlo, alza la parte della coperta che gli copre i piedi e sdraiati lì.
- Ai suoi piedi?! – disse allora la moabita costernata, non conosceva molti dei costumi del popolo di suo marito. – Perché?
- Lui stesso ti dirà cosa devi fare – rispose la vecchia, misteriosa. – Ma devi riuscire a far si che lui lanci il suo mantello sopra la tua testa.
- Farò tutto quel che mi hai detto – promise la nuora. – Ma, dimmi una cosa, per favore, perché devo mettermi sotto il mantello di Booz?
- Tra il nostro popolo, se un uomo stende il suo mantello sopra una donna, si impegna a prenderla in sposa.
Rut si zittì e andò a prepararsi per il bagno, canticchiando una canzone. Si sorprese della sua immediata allegria, era da troppo tempo che viveva immersa nella tristezza e nella solitudine della sua situazione di vedova, circondata dal lutto da tutte le parti.
Si immerse nell’acqua con il pensiero di Booz e con l’immagine della sua prestanza potente e gentile.
Da moltissimo non sentiva una sensazione così dolce che le percorreva il corpo e se ne lasciò cullare: non la respinse come cosa dannosa per lo spirito, continuava anzi ad asciugarsi e a rendersi quanto più bella le fosse possibile. Quando ebbe finito, Noemi la fissò a lungo e sorridendo espresse la sua approvazione:
- Sei perfetta, figlia mia. Va hai la mia benedizione e non dimenticare che: “la sorte la portiamo in seno, ma è il Signore che decide”.

Rut arrivò nell’aia del parente di Noemi e seguì minuziosamente le istruzioni datele dalla suocera. Non si mostrò a Booz ma rimase nascosta mentre lo vedeva camminare con i suoi uomini, impartendo ordini e assegnando lavori. Fu contenta di sentire che la cercava tra i gruppi delle donne, chiedendo più volte di lei alle mietitrici e, quando finalmente desistette dal cercarla si sedette a cena, sembrava triste e scoraggiato.
Quando furono a metà della cena, Rut si unì a un gruppo di mietitrici che, non molto lontano dal tavolo del padrone, cercavano di rallegrarlo con canzoni e coinvolgendolo nel canto. Quando la vide, il viso gli si illuminò di gioia perché non era stata mai così bella, infatti quando spigolava dietro i mietitori vestiva come una povera e modesta vedova. Quella notte, con quelle vesti tanto belle, rassomigliava a una sposa durante la festa di matrimonio, anche gli altri uomini sospesero il lavoro, incantati dalla sua voce e dalla sua grazia.
Il vino, le canzoni e la presenza di Rut rianimarono l’animo del padrone che cantò e bevve con i suoi; scorse però sui visi dei ragazzi l’ammirazione per la bellezza della vedova, li vide disputarsi ingenuamente un suo sguardo, una parola. Il valente contadino si adombrò, sentiva nascere dentro di sé la malinconia e la solitudine.
Si alzò bruscamente, dicendo di aver sonno e che sarebbe andato a dormire. Andò a sdraiarsi su un pagliaio, lontano dalla festa e dal rumore. Nella testa aveva ancora il pensiero di Rut, della dolcezza delle sue labbra quando gli aveva baciato la mano e tutto questo gli faceva battere il cuore all’impazzata quasi fino a soffocarlo. Tanta era l’emozione che ebbe difficoltà ad addormentarsi.
Rut aspettò qualche istante, dopo di che uscì con leggerezza dalla ruota dei mietitori che le stavano intorno, passando dalla luce all’oscurità della notte senza luna. Si avvicinò piano verso il giaciglio su cui dormiva Booz, sentendo il suo respiro tranquillo allontanò il mantello che gli copriva i piedi e si sdraiò accanto a lui con la schiena curva e le gambe piegate, come fosse stata lei quella luna crescente che li guardava dal firmamento. Si tolse la tunica e con molta delicatezza, stando attenta a non svegliarlo, pose i piedi di Booz tra le sue cosce, si rannicchiò contro di lui quasi come una gatta assonnata e si addormentò subito.
Nel bel mezzo della notte l’uomo si destò sconvolto da un incubo di catene e prigioni, ma ben presto lo spavento si mutò in sorpresa quando capì che era un volto di donna quello che stava avviluppato sulle sue gambe, sentì poi il caldo tepore delle cosce morbide di lei riscaldargli i piedi.
Chi sei? – chiese alla sconosciuta, ancora assonnato ma con il corpo già scosso dal desiderio, indovinando la figura della donna sotto le coltri.
Il volto si mosse fin quasi a prostrarsi, piegato su se stesso, le braccia nude gli avvolgevano i piedi come in un abbraccio, i piedi di lui erano sul ventre di lei.
- Sono Rut, la tua serva. Coprimi con il tuo mantello, mio signore, perché tu hai il diritto di riscatto su di me, io ti appartengo.
Sentì che la ragazza si stava spogliando e si mosse subito per coprirla, aveva timore che qualcuno potesse vederla, ma nell’oscurità della notte non riuscì a trovare le sue vesti, così la coprì stringendola contro il suo corpo nudo. Poggiando la testa contro il suo petto, Rut mormorò piano:
- Vieni, mio signore, vieni a conoscere la mia nudità.
Era snella e slanciata come una spiga d’orzo e Booz la sentì muoversi sotto la tunica, la pelle era morbida, i seni rotondi e sodi premevano contro il suo stomaco e le lunghe gambe avviluppate tra le sue; Booz cercava di resistere alla tentazione di gettarsi sulla paglia con lei, rotolandosi tra le vesti, come protetti da una minuscola tenda e sfogare così la passione che ardeva nel suo corpo.
Non aveva più l’età per perdere la testa con cose di questo genere, ma le mani di lei gli accarezzavano le spalle e scendevano giù fino alle reni, le labbra si accostavano al suo petto con la dolcezza del miele, aveva il ventre di donna morbido e caldo come messe matura: sentiva affievolirsi la sua forza d’animo, la volontà venir meno e lasciare il posto al desiderio, alla tentazione irresistibile di possederla, così quasi in un sussurro tiepido le chiese scusa per tanta debolezza:
- Può forse un uomo nascondere un fuoco in petto senza che le vesti gli si infiammino? Senza allontanarla, si spogliò del tutto e rimasero nudi. Lui in piedi teso e forte e Rut avvolta al suo corpo come un rampicante sul tronco di un albero che pazientemente lo sostiene. La attirò a sé tenendola con le mani tanto grandi quanto tenere, fatte per amare la terra e per trarne i frutti, la penetrò a lungo, come ancora sconvolto da un sogno spaventoso.
Quando la lasciò, l’accarezzò con gesti dolci e impacciati, ancora pentito della sua debolezza. Si rivestirono in silenzio e Booz le disse con una tenerezza velata di tristezza:
- Dio ti benedica, figlia mia, per il tesoro inestimabile che mi hai donato. La tua bontà vale più di ogni altra ricchezza al mondo e sarà giudicata buona anche dagli occhi del cielo, perché non hai cercato giovani, fossero essi poveri o ricchi, ma sei venuta da un uomo vecchio e solo per offrirgli consolazione. Ti ho presa in sposa questa notte, nel mio cuore e davanti agli occhi di Dio, perché tutta la città sappia che sei una donna virtuosa. – Fece una pausa e concluse con difficoltà: - Purtroppo però, le leggi degli uomini non sempre sono d’accordo con quelle di Dio e dell’anima. -
- Che vuoi dire, mio signore? – chiese Rut, spaventata. L’abbracciò in un impulso, nascondendo la testa nel suo petto. – Non posso stare con te? È perché sono straniera in questa terra?Per questo non puoi avermi in sposa, presso il tuo popolo?
Booz le prese il viso tra le mani le baciò le labbra, giurando che quella sarebbe stata l’ultima volta, fino al giorno in cui non avrebbe avuto la libertà di farlo agli occhi del mondo.
- Non temere, figlia mia. Farò tutto quello che desideri. Non negherò certo di essere tuo parente e che per questo potrò esercitare su di te il mio diritto di riscatto ma, purtroppo, c’è un altro uomo nella nostra famiglia che ne ha più diritto di me, perché è un parente più prossimo di Elimelech.
Le lacrime proruppero dagli occhi di Rut e la sua voce si fece angosciata, malgrado tentasse di dominare il pianto:
- Un altro parente? Ma io non voglio essere la moglie di nessun altro uomo, il mio cuore ha già scelto Booz come sposo e si è già accostato alla mia intimità!
Come erano dolci le sue parole! Nell’anima del vecchio contadino si fondevano tristezza e passione me non poteva fare niente senza aver prima sentito il giudizio del Consiglio degli Anziani:
- Riposa qui questa notte. Domani convocherò questo nostro parente alle porte della città e vedremo se desidera esercitare il suo diritto di riscatto su di te: dovrà farlo davanti a dei testimoni, in caso contrario potrò farlo io, lo giuro in nome di Dio! Adesso dormi per un paio di ore, perché il mattino non tarderà ad arrivare.
Rut rimase sdraiata ai suoi piedi fino all’alba, poiché Booz non voleva correre il rischio di cedere di nuovo alla tentazione, ma, malgrado questo l’uomo non riuscì a dormire ugualmente. Quando il cielo cominciava appena a rischiararsi la svegliò:
- Devi partire subito, perché nessuno capisca che stavi con me. Apri il tuo mantello.
Glielo riempì con sei misure d’orzo, facendo un fagotto e glielo mise sulle spalle,salutandola senza neppure un bacio o una carezza. Così Rut entrò nella città e si diresse verso la casa della suocera.
- Come stai, figlia mia? – Chiese Noemi, guardandola con occhi curiosi e ansiosi. – Non vieni forse dalla casa di Booz?. Hai trascorso dunque la notte con lui?
Rut le raccontò tutto anche dell’esistenza di un uomo, loro parente, che aveva più diritti di Booz su di lei. Tralasciò i particolari legati ai momenti della loro dolce intimità.
- Un altro “liberatore”, nella nostra famiglia? – chiese sorpresa la vecchia, per aggiungere subito: - È vero, ha ragione, si riferisce a Maarai, il cugino più giovane, ed è il primo a poterti chiedere in riscatto.
- Goel? Liberatore? – insisteva Rut senza comprendere.
- Sì, colui che ti libera della vedovanza e dalla miseria di una vita senza marito.
- Ma è stato Booz il primo a dimostrarsi pronto a prendermi in sposa e adesso vieni a dirmi che sarà lui a doversi sottomettere al giudizio degli anziani, questa mattina?. Forse si trova lì proprio in questo momento, magari potessi assistere!
Noemi avvertì l’angoscia che alterava la voce della nuora e cercò di consolarla:
- Non disperati prima di sapere come andrà a finire tutta questa storia, figlia mia. “Vale di più un vicino che ti sta accanto, che il fratello che sta lontano” e Booz non si fermerà finché non avrà compiuto quello che ti ha promesso.
Rut le consegnò l’offerta del contadino.
- Lui mi ha dato queste sei misure d’orzo, dicendomi: “Non tornerai con le mani vuote da tua suocera”.
- Che il Signore lo copra di benedizioni e che ascolti le preghiere del suo cuore.
La moabita pregò in silenzio perché le parole della suocera arrivassero in cielo.(...)

Traduzione
Anabela Ferreira (Forli)
Maria Helena da Mata Almeida (Mundo Brasil)

23 junho 2010

Saramago fala da Bíblia e de Deus

A propósito dos Contos Eróticos e dos Novos Contos Eróticos do Velho Testamento (publicados respectivamente em 2003 e 2004), referi-me à Bíblia em termos ainda mais violentos do que os de Saramago, numa entrevista que me fez Maria Teresa Horta para o Diário de Notícias (ver texto "Todos os defeitos e poucas virtudes", mais abaixo).

Não logrei, contudo, provocar a ira da Igreja, certamente porque, nesse tempo, eu era uma escritora quase desconhecida, o que mostra ser a indignação prosélita causada muito mais pela salvaguarda das aparências do que por verdadeira indignação.

Para quem não o ouviu ou para os que desejam recordá-lo, aqui vos deixo as palavras de Saramago de viva voz.

17 junho 2010

O "Romance" no Luso Americano

O Luso Americano, nos Estados Unidos da América, foi o primeiro jornal a falar de mim e dos meus livros, pela voz de Fernando dos Santos, o seu Editor, seguido pelo Portuguese Sun, do Canadá, na pena de Fernando Cruz Gomes.
Foi graças aos artigos destes dois jornais que, mais tarde, os media de Portugal se aperceberam da minha existência. A eles devo ter recebido um louvor da Câmara de Newark pelo trabalho de divulgação da Cultura e Língua Portuguesa, entre os emigrantes.

Ao longo de dez anos, o Sol Português e o Luso Americano não cessaram de dar notícias das minhas obras, como se pode ver na página 8, desta edição de Maio, por Fernando dos Santos.

Clicar na imagem para vê-la em tamanho grande e legível.



14 junho 2010

Apresentação em S. Pedro do Sul - Isabel Prates

Deana Barroqueiro dedica Tentação da Serpente/O Romance da Bíblia “A todas as Mulheres mal-amadas, sofridas, exploradas, maltratadas, violentadas ou assassinadas em nome de uma religião, tradição, ideologia ou preconceito.”

Desde o início este é, claramente, um romance no feminino, mas superior ao género e ao número, imune às grades convolutas do tempo e do espaço. E toca todas as farpas que ainda ferem a condição da mulher na sociedade actual: a religião, a tradição, a ideologia e o preconceito

É formado por um texto introdutório, repassado de uma fina ironia, que serve para mergulhar o leitor no tema e no contexto, que nos promete um sentido de humor inteligente, completamente livre de peias e despudorado. O episódio da criação divina da mulher e da sua apresentação ao primeiro homem seria hilariante se não fosse tão tragicamente humano.

Seguem-se 19 capítulos-contos, que apesar de serem estruturalmente compartimentados se encaixam no esqueleto do romance, conferindo-lhe consistência e unidade. Cada conto que terminamos faz-nos iniciar avidamente o seguinte, presos na teia das palavras, magistralmente vivas, que nos fazem vibrar e sofrer, como se cada personagem fosse parte da nossa própria vida. E cada personagem é simultaneamente do seu tempo e do nosso e nós descobrimos, em puro espanto, que somos simultaneamente do nosso tempo e do delas, como se o tempo fosse um rio e a perspectiva apenas mudasse consoante a margem donde o observamos.

É um romance construído no feminino, mas desenganem-se aqueles que pensam que é uma apologia cega da mulher! As personagens são mulheres no feminino real, com a sua força, como Maqueda, a rainha do vento sul, a sua coragem, como Susana, a sua sensibilidade como Judite e também com a sua manha, como a prostituta Dalila e a sua maldade. São mulheres que despertam a nossa compaixão, como a infeliz Adah e mulheres que despertam a nossa revolta, como Sara, porque o sofrimento não pode ser pretexto para a crueldade, sobretudo quando exercida contra quem é indefeso, como a sua escrava Agar.

Também as personagens masculinas são resgatadas do estereótipo original, e descobrimos a cobardia desprezível de Abraão, o desespero do pobre Jacob, que se deu conta de que o paraíso masculino é afinal um inferno, com aquelas 4 mulheres insaciáveis e vorazes. (Eu desconfio, aliás, que depois deste romance, haverá uma procura imensa de mandrágoras!) a fiel integridade de José, a crueldade do hipócrita Makhir que se desculpava do seu atroz egoísmo com a vontade de Deus, a correcção e a sensibilidade amorosa de Booz, a astúcia de Tobias para resgatar a esquizofrénica Sara das garras de Asmodeu.

Tentação da Serpente/O Romance da Bíblia é, inevitavelmente um romance polémico, porque ousa tocar uma temática muito sensível. E é incómodo porque nos mostra que a nossa sociedade não é, na prática, assim tão diferente da misoginia praticada nos tempos bíblicos. É incómodo porque nos faz pensar, porque nos obriga a ver com olhos desvendados.

Aqueles que, à partida, questionam a validade do romance porque recria as velhas histórias da Bíblia, aposto que nunca leram o texto que aceitam como sagrado e se o fizeram, certamente não leram o romance. Se o lessem perceberiam que não há nele qualquer desrespeito pela Bíblia. Há apenas o resgate da velha arte de ensinar que anima o contador de histórias. Há histórias que nos divertem e nos dão lições de vida. Há vidas que nos pregam dolorosas rasteiras e nos fazem questionar a nossa fé e as nossas convicções. As personagens, como Salomão, têm crises de fé e questionam-se, como nós, como pode Deus, sendo Todo-poderoso, permitir o sofrimento de quem não tem qualquer sombra de culpa. Só o fundamentalismo cego tem a pretensão de manter intocável um texto sagrado.

Eu acredito convictamente que em literatura não há intocáveis.

A escrita de Deana Barroqueiro tem a leveza e a aparente facilidade do que é perfeito. Tem a maturidade de quem já nada precisa de provar, tem a beleza de quem pinta com palavras todos os matizes da sensibilidade humana e tem a força interventiva de quem não baixa os braços e faz das palavras as armas de paz para construir uma sociedade mais justa e mais humana.

Eu diria mais feminina… mas acho que é pura provocação.

Eu admirava a escrita de Deana Barroqueiro. Agora que tive o prazer de a conhecer pessoalmente penso que aquela escrita só poderia nascer de uma pessoa assim: admiravelmente bonita e humana.

Maria Isabel Prates

13 junho 2010

Nova apresentação de “O Romance da Bíblia”

Dia 14/06, Segunda-feira - Lisboa

FNAC Colombo
19h00 -
Nova apresentação de “O Romance da Bíblia”, pela Dra. Manuela Gamboa.

Espero por todos os que quiseram ir ao lançamento do CNC e não puderam!

18 maio 2010

Todos os defeitos e poucas virtudes

Entrevista por Teresa Horta a Deana Barroqueiro, no Diário de Notícias

Teresa Horta - Pretendeu dessacralizar o Antigo Testamento?

Deana Barroqueiro - Em parte sim. Tudo começou com uma investigação que estava a fazer para um dos meus livros históricos, a propósito da qual fui à Bíblia para reler a história da rainha de Sabá e do rei Salomão e, como não gosto de ficar a meio de nada, reli todo o Livro do Génese. Então, comecei a reparar na conotação erótica daquelas histórias e tive vontade de tentar esse lado da escrita, sem saber se conseguia fazer um conto erótico.

T.H. - Foi um desafio?

D. B. - Foi um desafio imenso! Um projecto que nunca supus ser capaz de levar até ao fim. Nem sequer tenho grande conhecimento da literatura erótica, para além daquela que todos conhecemos do tempo da juventude. No entanto, em dez noites escrevi seis contos, unidos pelo erotismo.

T.H. - Contos? Não será antes um texto único?

D. B. - É de facto um texto único, um romance. No fundo, esta colectânea é uma tentativa de recriar os ambientes da antiguidade pré-clássica, quer na Mesopotâmia quer no Egipto, através da mulher e do seu sacrifício ao longo dos tempos.

T.H. - Pretendeu captar o olhar que elas tinham sobre os homens do seu tempo?

D. B. - Sim. Neste livro mostro os patriarcas, os sacerdotes e os reis sob o ponto de vista das mulheres. Vou recriando a história da Bíblia, mas de uma maneira realista. Ou seja, sem ser através da história religiosa, mítica.

T.H. - O elemento de ligação entre os contos não será a mulher em vez do erotismo?

D. B. - É difícil separar uma do outro. Mas a ideia era ser o erotismo, pegar nesse filão, inseparável da mulher. Até hoje têm sido os homens a «fazer» o erotismo, focalizando-o nas mulheres, que por seu lado têm calado as sensações eróticas, o seu prazer. Parece até que há um certo medo...

T.H. - E também uma certa vergonha?

D. B. - É isso, uma certa vergonha. O que, em vez de deter-me, empurrou-me para a escrita deste livro.

T.H. - A confrontar o corpo profano com o corpo sagrado?

D. B. - Em certa medida, sim. Pretendi retirar tudo quanto era religioso, pegar no Antigo Testamento como se pegasse na Ilíada ou na Odisseia, tentando transformá-lo numa série de histórias do mundo real. Quis mostrar como é que viviam aqueles nómadas, como é que, sem ser por intervenção divina, se justificam determinadas coisas, tais como as velhas de noventa anos engravidarem e parirem crianças saudáveis, e os velhos de duzentos anos, terem uma sexualidade exuberante, rodeados por raparigas que lhes davam filhos.

T.H. - E as visões? Os sonhos proféticos?

D. B. - Tomei uns e outros como superstição ou ignorância, ou mesmo como «esperteza saloia», ou seja, o modo de as mulheres conseguirem alcançar aquilo que querem e que, de outro modo, não conseguiriam.

T.H. - Porque escolheu estas e não outras mulheres do Antigo Testamento?

D. B. - Talvez porque as suas histórias me revoltaram, ou me encantaram particularmente. E também porque, em certa medida, o seu estatuto mantém pontos em comum com o das mulheres dos nossos dias.

T.H. - Mulheres destruídas pelo poder divino?

D. B. - Eram usadas e destruídas, pura e simplesmente. Eram ignoradas, encaradas como objectos. Mas não creio ter sido o poder divino a aniquilá-las, antes a interpretação que os homens fazem do divino. Apesar de tudo eram mulheres fortes.

T.H. - Mulheres fortes ou invisíveis?


D. B. - Fortes e invisíveis! Mas, provavelmente, essa é uma projecção que faço. Sei apenas que tentei dar um retrato de certo modo realista, de como era a vida naquele tempo, de como seriam as mulheres de então.

T.H. - Seres a quem Deus nunca fala?

D. B. - Deus só fala às profetisas, com Débora. A verdade é que no Velho Testamento, de uma maneira geral, Deus não fala às mulheres. Nem sequer a Sara...

T.H. - Quando escreveu estas histórias, sentia-se uma cronista ou uma ficcionista?

D. B. - Procurei ser uma cronista. Gosto de escrever textos históricos, mesmo quando os transformo em aventuras.

T.H. - Neste caso, não há um olhar moderno, trocado por um olhar magoado?

D. B. - Só o leitor pode responder a essa pergunta. A única coisa que sei, é que sempre me afligiu a condição da mulher, em todos os tempos. Na época que refiro, eram meros objectos de troca, de venda. Continuam a sê-lo, em muitos lugares no mundo.

T.H. - Estes histórias foram imaginadas a partir da visão das mulheres?

D. B. - Nunca me demoro muito a imaginar uma história, a história conta-se-me, e é isso que me fascina na escrita. Contudo, tentei pôr-me na pele de cada uma dessas mulheres.

T.H. - Não põe em confronto o poderoso universo masculino com o universo intimista feminino?

D. B. - Ponho em quase todas as histórias. Referindo um certo poder ínvio, que as mulheres se vêem obrigadas a usar.

T.H. - Um poder sempre marginal?

D. B. - Sempre! E foi isso que pretendi denunciar, mostrando muita coisa que tem andado tapada.

T.H. - Tal como a pedofilia, tolerada no Antigo Testamento?

D. B. - Precisamente! Repare naqueles velhos todos, casados com crianças de nove, 11, 12 anos! Bem sei que, então, elas faziam-se mulheres mais cedo, mas mesmo assim, é revoltante! No Corão, Maomé, por exemplo, casa com uma miúda de seis anos e consuma o casamento quando ela tem nove, vem lá escrito!

T.H. - E também vem lá a mutilação sexual?

D. B. - Li vezes sem conta o Velho Testamento e não encontrei nenhuma mutilação sexual, embora nele as mulheres sejam maltratadas. Foi uma horrenda invenção ou interpretação posterior.

T.H. - Porque não escreveu sobre as mulheres do Novo Testamento?

D. B. - Preferi as mulheres do Antigo Testamento pela violência que pesa sobre elas. Por isso, eu não gosto nada do Antigo Testamento! Acho mesmo que é um livro de maus exemplos! Tem todos os defeitos e muito poucas virtudes.

Um olhar feminino do Antigo Testamento

Tentação da Serpente/O Romance da Bíblia possui o riso que acontece debaixo da palma da mão entreaberta sobre a boca, mas igualmente o desfrute do gozo, ambiguamente trocado, tomado, pelo gosto do outro, no tactear da língua. Um livro de memórias ancestrais, que nos mostra o despertar da mortal e venenosa serpente das seitas religiosas, do obscurantismo, do sexismo com a sua rancorosa face. Mas, Tentação da Serpente/O Romance da Bíblia é ainda a beleza trabalhada, cinzelada, com um bom gosto literário inusitado, eu diria mesmo raro, na ficção portuguesa. (…)

O livro de Deana Barroqueiro traz consigo a visão da mulher. Lúcido olhar, que ao longo dos séculos tem faltado à visitação deste universo da Bíblia: Velho Testamento moralista, repleto de anciãos preguiçosos, libidinosos e lascivos, de brutamontes ignorantes e violadores, convocados por um Deus irado frente à própria incompetência e à própria imagem, segundo a qual teria criado o homem, de quem afinal não gosta e castiga. E é precisamente no enredamento deste dilema, que se abrem as páginas do primeiro dos dezanove textos que, fragmentariamente, irão formar um todo literário uno: falando de Noé e de Jacob, de Isaac e de Sansão, de Asmodeu e dos circuncisos, de Labão e de Abraão, arrancando-os do seu pedestal de heróis divinos, com uma habilidosa crueldade implacável.

Maria Teresa Horta
Crítica literária

Aos meus leitores

O Romance da Bíblia é uma reedição revista, depurada e reorganizada, das minhas duas obras preferidas – os Contos Eróticos do Velho Testamento e os Novos Contos Eróticos do Velho Testamento –, publicadas em 2003/2004 e que, desde muito cedo, deixaram de estar acessíveis aos leitores. A Editora Ésquilo permitiu-me concretizar o desejo de revisitar e reformular essa minha saga das Mulheres do Antigo Testamento, dando-lhe a forma de um romance (implícita, todavia, na estrutura aparentemente fragmentária das duas colectâneas de contos).

A razão que me levou a escrever sobre um tema tão delicado, capaz de ferir ainda algumas susceptibilidades, em muitos quadrantes deste nosso mundo, foi talvez a percepção de que as lendas, parábolas e histórias exemplares do Antigo Testamento, com as sua personagens sacralizadas e, durante milénios, intocáveis, nunca tinham sido olhadas e escrutinadas do ponto de vista feminino e focando particularmente a condição da mulher. Era um desafio irresistível para uma amante de causas perdidas.
Reli os livros do Antigo Testamento de fio a pavio e senti, desde logo, uma vontade imensa de reescrever essas histórias, incarnando um cronista desse tempo, céptico porém capaz de aceitar com igual complacência as crenças em Baal, Osíris, Marduk ou Jahweh, interessado sobretudo em descrever os espaços geográficos, ambientais, sociais e étnicos.

Pesquisei e recolhi inúmeros testemunhos que chegaram até nós na escrita cuneiforme de Ur e de Ninive ou na hieroglífica do Egipto, dessacralizando os mitos e procurando uma explicação mais real e prosaica para os acontecimentos, de acordo com essa sociedade de pastores nómadas que formaram as tribos de Judá e Israel.
Pretendi – como já o disse outrora e tenho feito com os meus romances sobre o período dos Descobrimentos – recriar a vida desses homens e mulheres, forçosamente pouco cultos e muito supersticiosos, a lutarem ferozmente pelo seu lugar num mundo bárbaro de guerras e fomes, recorrendo a todos os meios que lhes sugeriam a esperteza e o engenho, para assegurarem a própria sobrevivência, mesmo se isso implicasse a destruição do seu próximo.

Além da pesquisa em obras de História da Antiguidade, em relatos de escavações e descobertas arqueológicas e outras fontes documentais, segui em muitos casos as notas, explicações e comentários minuciosos dos missionários Capuchinhos, estudiosos incansáveis para uma interpretação circunstanciada dos livros sagrados, que frequentemente apresentam uma explicação científica para os supostos fenómenos milagrosos ou apontam as ligações e analogias entre os textos da Bíblia, escritos muitos séculos depois de circularem na tradição oral, e as fontes históricas onde foi beber essa tradição, como o Código de Hammurabi ou as placas de argila da biblioteca de Assurbanípal, com os mitos e lendas da Mesopotâmia, como o Dilúvio provocado pela subida das águas dos rios Tigre e Eufrates e a destruição de Ur.

Li os textos da Bíblia não com a inocência maravilhada da juventude, mas com o distanciamento de mais de meio século de existência. Li-os com a curiosidade do estudioso (os históricos e os dos provérbios, mais objectivos ou práticos), com o prazer do poeta (os dos cânticos e salmos), com o humor zombeteiro do céptico (os fantasiosos e absurdos, de pura lenda), com a repugnância de um humanista face ao atropelo dos valores éticos e morais (os episódios crudelíssimos das mortes sem sentido ou do uso e abuso degradantes da mulher).

Por outro lado, não era possível ignorar, mesmo que o quisesse fazer, a componente erótica fortíssima que percorre, de modo gritante, persistente, direi mesmo obsessivo, todo o livro sagrado, transformando as suas pequenas histórias, cujos autores pretendiam que fossem de bons exemplos, em crónicas deliciosamente impudicas, terrivelmente escandalosas e, por vezes mesmo, inacreditavelmente depravadas e imorais, por isso mesmo, pulsantes de vida.

O meu maior desafio, enquanto mulher e escritora, foi a utilização dessa componente erótica como elo de ligação dos capítulos/episódios deste romance no feminino, com recurso a uma linguagem subtil, sensual e poética, ainda que, por vezes, assaz violenta devido à própria matéria das narrativas originais. Foi tarefa árdua pôr em palavras, com o necessário distanciamento, a história das mulheres do Antigo Testamento, tão remotas e contudo tão próximas de nós. Uma saga de terrível sofrimento e luta constante, com as armas do seu próprio engenho e arte, pela sua dignidade e por um lugar na sociedade, a par dos homens.

Procurei mostrar o percurso dessas nossas antepassadas, através de sucessivas gerações, num mundo em que as descendentes de Eva eram consideradas pelos homens como mercadoria e inferiores aos animais, conceito que perdura ainda hoje, perpetuado por determinadas interpretações fundamentalistas dos livros ditos sagrados, em nome de uma “verdade” religiosa ou ideológica que nenhum Deus, bom e justo, poderia alguma vez sancionar ou sequer tolerar.

Deana Barroqueiro